Tal
como a capela dos morgados de Molelos, também esta surgiu vinculada a um
morgado. Os seus instituidores foram o Reverendo Pe. Francisco Mendes, arcediago
de Celorico e cónego da Sé da Guarda, juntamente com sua irmã, Isabel Pais de
Barros. Ambos fizeram um testamento de mão comum, a 8 de Junho de 1642, onde
nomeiam os bens que devem constituir o referido morgado, o administrador do
mesmo e as regras de sucessão.
Transcreve-se o referido testamento
nas partes que nos interessam.
Jesus
Maria e José, in Dis nomine amen. Eu Francisco Mendes, Arcediago de Celorico e
cónego na Santa Sé da cidade da Guarda e juntamente com minha irmã, Isabel Pais
de Barros, moradores que hora somos na cidade da Guarda, estando ambos sãos e
bem dispostos e em todo o nosso perfeito juízo e entendimento nem persuasão de
pessoa alguma e de nossas próprias e livres vontades temendo a estreita hora de
nossa morte e a estreita conta que havemos de dar a Deus Nosso Senhor de nossos
pecados em renunciamento deles e descargos de nossas consciências ordenamos e
determinamos a fazer nosso testamento e ultima vontade pela maneira seguinte:
Primeiramente
encomendamos nossas almas a Deus Nosso Senhor que com sua sabedoria (……….) as
criou, e Jesus Cristo seu filho que com seu precioso sangue as redimiu, e ao
Espirito Santo que com sua graça nos trouxe o conhecimento da fé em que
protestamos salvar-nos viver e morrer e a sereníssima Rainha dos Anjos, mãe de Deus
e Senhora Nossa e aos bem-aventurados apóstolos São Pedro, São Paulo e São
Miguel Arcanjo, São Francisco e Santa Isabel, e a todos os mais santos da corte
celestial, para que na hora da nossa morte acompanhem nossas almas e as
apresentem a Deus nosso senhor na glória para que foram criados amen amen.
Declaramos
que nós não temos filhos nenhuns nem
herdeiros forçados, pelo que ordenamos e queremos e assentamos ambos
juntamente fazer de todos nossos bens um vínculo de capela e morgado no melhor
modo que de direito possa ser, para que sempre andem juntos e em nenhum tempo
do mundo se possam desanexar, alear nem dividir e nem por qualquer entrave a
partir, descambar ou desanexar, ou trocar, ou desmembrar, antes sempre andarão
juntos em uma possessão sem neles poder haver divisão nem desanexação com a
obrigação de em cada um ano se dizerem por nossas almas e das pessoas que a
baixo nomeamos as missas que serão obrigados mandar dizer as pessoas que só se
devem nesta capela e morgado para o que nomeamos e avinculamos a fazenda e
peças seguintes, que tudo é nosso livre e dizimo a Deus.
As
nossas casas que temos no lugar de Molelinhos, com seu pomar e chão, e vinha,
tudo tapado em parede em redondo, que herdamos
de nosso pai e mãe.
e
a vinha que foi de nossa tia a senhora
Maria de Figueiredo, que Deus tem, que me deu por uma doação, com todas as
suas serventias, árvores de fruto e sem elas, como nossos pais e nós os possuímos as quais casas e quinta na
maneira sobredita queremos e ordenamos que seja nossa capela e morgado
e a nossa baixela de prata que consta de um
prato grande de água às mãos e de um jarro, e de uma salva e um saleiro tudo de
prata com perfilhos dourados, as quais quatro peças queremos e ordenamos que
andem sempre em cabeça deste nosso morgado e capela e nela sucedam as pessoas
que para esta sucessão chamarmos.
As
nossa regadas que estão no limite do dito lugar aonde chamam ao Porto (…?...)
que se dividem com o caminho que vai para os chãos, ambas tapadas sobre si,
e
outra vinha a qual herdamos de nossos
pais e nos as (…?...) e as unimos e avinculamos e anexamos a esta capela e
morgado todas as mais terras e fazenda livre e dizima a deus que no dito lugar
de Molelinhos e seu limite nos pertencer por qualquer via que seja e nós herdámos dos ditos nosso pais ou pelas
comprarmos que aqui havemos por expressas e declaradas;
a Cortinha que está após a do
dito lugar de Molelinhos que foi da senhora Maria de Figueiredo nossa tia,
que Deus tem, e a houve por doação
que dela me fizeram a senhor Maria de
Cáceres e Victória de Cárceres, minhas primas, tapada sobre si de parede
com as oliveiras e água da dita poça, a qual cortinha a possuíram as ditas
senhoras minhas primas em sua vida de ambas e pela sua morte ficaria anexada e
avinculada a esta capela e morgado.
Doze
alqueires de centeio e milho, dois capões e trezentos réis em dinheiro que nos
pagam Manuel Alvares do dito lugar de Molelinhos pelo prazo que lhe fizemos.
Seis
alqueires de centeio e milho meados e doze tostões em dinheiro que nos paga em
dinheiro digo nos paga Manuel Simões e Manuel João do lugar de Molelinhos, pelo
prazo que lhe fizemos de terras e casas em que vivem.
Dezassete
alqueires de pão meados e duas galinhas e vinte arráteis de marrã que nos paga
Manuel Dias e sua mulher do lugar de Molelinhos na forma do prazo que lhe fiz.
Vinte
e três alqueires de pão meado que João D(?) de Molelinhos nos paga das terras
digo paga das leiras e fazenda que foi
de António Alves seu cunhado e morador em Molelos na forma do prazo que lhe
havemos de fazer.
Outro
(?) da mais fazenda, terras e mais coisas e árvores de fruto e sem ele, que no
dito lugar e concelho nos pertencem, por qualquer via que seja, sendo nossas
dizimo a Deus as havemos por avinculadas e anexadas a este nosso morgado e
capela para sempre.
Quarenta
e cinco alqueires de centeio e milho meados que houve de Maria Martins do lugar
de Molelinhos e de seus filhos e irmã que foi de Sebastião Fernandes por
composição de compra os quais pagam as pessoas seguintes; Francisco Rodrigues
da Aldeia de Vilar treze alqueires de pão meado = mais todo o pão que me pagam
em o lugar de Molelinhos, assim da fazenda e casas que comprei a Sua Majestade
que foi de Rui(?) da Silveira e seu irmão Manuel da Silveira moradores que
foram em a vila de Avelãs do Caminho com todos os mais foros terras e matos
águas e árvores, serventias e mais pertenças assim e da maneira que (?).
Mais
o que me pagam do Casal das Quintas, que foi de Brás Alves em que parte comigo
o morgado de Molelos pelo meio de tudo o que se paga do dito casal e das terras
que andam alienadas dele.
E
mais 18 alqueires de centeio e milho meados que me paga Pero Fernandes
carpinteiro do lugar de Molelos pelo casal que foi da (?) de que lhe fazem
prazo.
Umas
casas que tenho na cidade da Guarda com uma vinha no lugar de Porto, termo da
cidade da Guarda digo termo da dita cidade, as quais casas e vinhas me custaram
trezentos e oitenta mil réis e fora a ciza e a vinha em setenta e cinco também
fora a ciza que fora metade as quais casas e vinha se poderão vender com
provisão para se empregar o dinheiro em pano de renda que em seu lugar ficará
unido à dita capela e morgado sob pena de perdimento dele e de pertencer logo
tudo às pessoas para ele chamados digo à casa da Santa Misericórdia da Cidade
de Viseu.
Mais
anexamos a este nosso morgado e capela um prato de prata de água às mãos e um
jarro saleiro e uma salva de prata tudo com prefilhos dourados que outrossim se
não poderão vender, trocar nem por outra qualquer via alear, antes sempre andar
na mão dos sucessores deste vinculo as quais peças têm as armas dos Cardosos, Mendes, Borges e Figueiredo,
de baixo de um chapéu com cordões de ouro, em memória dos instituidores dele.
E
assim mais todo o dinheiro ou peças de ouro ou prata que mais se achar por morte minha e de minha irmã de que se
fará menção pelo derradeiro que de nós morrer para prontamente ao poder de
nosso testamenteiro que à sua vontade será obrigado nosso sucessor para
empregar, sendo dinheiro, em panos de renda bem seguro(?) que renda para a dita
capela ou em fazenda dizima a Deus que fique o vinculo e sendo peças de ouro ou
prata vende-las pelo justo preço e o procedido delas empregado em pão ou
fazenda na sobredita maneira, em termo de dois anos primeiros seguintes, aliás,
perderá o direito ao dito dinheiro para a santa casa da Misericórdia da cidade
Lisboa digo cidade de Viseu e nas (…?...) da qual aplicamos isto feito que
nosso sucessor não empregue em coisas renda para esta nossa capela e morgado
dentro dos ditos dois anos depois de nosso falecimento.
Nomeamos
para nosso universal herdeiro de nossos bens moveis e de raiz e legitimo
sucessor deste nosso vínculo de capela e morgado e administração que lhe pomos
no derradeiro de cada um de nós ficar ao qual ou a qual sucederá nosso sobrinho Cristóvão Mendes de Sá
não nos sendo ingrato antes sendo-nos obediente.
e não sejando de nossa vontade sendo único e
não sendo vivo sucedera um seu filho ou filha, se o tiver, e havendo macho
sempre será preferido a fêmea, e o macho que nesta capela e morgado suceder se chamará sempre Mendes, ou Cardoso
Borges, ou Figueiredo,
e
sendo caso que por morte de nós ambos não seja vivo nosso cunhado Cristóvão Mendes nem dele filhos legítimos de legitimo
património sucederá nesta nossa capela um filho ou filha de nossa irmã Maria de Figueiredo e de António
Cardoso nosso primo havendo dele legitimo matrimónio precederá sempre o
macho à fêmea havendo-o e a fêmea não sucederá se não em faltas de macho e
serão sempre não havendo sucessor de legítimo matrimónio e leigos e não frades
nem clérigos nem (…?...) nem filhos naturais (……………………………) de nossa geração
e sendo caso que faleçam todas as pessoas
nomeadas para a sucessão deste vínculo sucederá nele um filho de nosso primo
Francisco de Gouveia morador em Lamego (sendo secular sem defeito) Não havendo
filho macho sucederá uma sua filha legítima na forma relatada acima.
Conforme se viu, o Pe. Francisco e a
sua irmã Isabel nomearam para administrador do morgado de Molelinhos, que
acabavam de instituir, o seu sobrinho Cristóvão Mendes de Sá, mas com a
condição de que este não lhes fosse ingrato e desobediente.
Acontece que os receios do padre
Francisco de que o seu sobrinho Cristóvão lhe desobedecesse se concretizaram, pelo
que, cerca de quatro anos mais tarde, o arcediago anexou uma nova declaração ao
seu testamento e de sua irmã, onde se pode ler o seguinte:
E
por quanto depois de eu ter feito estes apontamentos de vinculo e capela e
última vontade, o dito Cristóvão Mendes de Sá não quis proceder como devia
antes se destragou e vive como quer, não se aplicando ao que ele é obrigado
digo não esperando que eu lhe buscasse vida, antes se casou a seu gosto com
pessoa que não convinha, além de me fazer muitas mais coisas contra meu gosto
desabonados anos (avós?) que teve, o hei
desde agora excluído da sucessão de meus bens aonde quer que forem achados
e
quero que nesta capela suceda minha irmã para que em sua vida, ficando viúva
depois de minha morte, goze dos frutos e rendimentos dela e logo por sua morte
passem todos os meus bens à Casa da Misericórdia da Cidade de Viseu com
obrigação das missas atrás declaradas
e havemos por revogado tudo o que mais
havíamos dito sobre a sucessão de nossos bens e só retificamos o vínculo e
capela que deles queremos fazer a qual não se poderá nunca vender trocar nem
por qualquer via alear sob pena que logo ipso facto passe o direito dela à
Misericórdia da vila de Santa Comba Dão com as mesmas obrigações para que tudo
isto se faça em cumprimento desta nossa última vontade
declarei o dinheiro e prata e por minha morte
ficará no Rol para que, por falecimento de minha irmã, se saber o que fica de
que em sua vida será uso e frutuaria a qual declaração fiz na Guarda aos dois
de Agosto de seiscentos e quarenta e seis = Francisco Mendes = Isabel Pais=
Algo se terá passado nos três anos
que se seguiram porque, a 12 de Fevereiro de 1649, estando o Pe. Francisco
Mendes de cama, às portas da morte, o mesmo mandou acrescentar novos
"apontamentos" ao seu testamento, onde deu o dito por não dito e
voltou a nomear o seu sobrinho Cristóvão Mendes de Sá e seus sucessores, como
administradores da referida capela de São Francisco de Molelinhos, nos seguinte
termos:
(…)
anulo e ordeno que não seja de nenhum vigor a declaração que fiz por minha aos
dois de Agosto de seiscentos e quarenta e seis de que não entrasse em a
sucessão de bens e capela meu sobrinho Cristóvão Mendes por me ser desobediente
e se casar a seu gosto que cometa exclusão(?) e por quanto depois de eu ter
estes apontamentos e letra ordeno, como digo e mando, que entre(m) ele e seus
herdeiros, na sucessão da capela assim como neste testamento o tenho ordenado e
não lhe seja impedimento o havê-lo declarado por inobediente por quanto o tenho
admitido a sua graça e (*) de paixões passadas assim que em todos meus bens e
parte a seus herdeiros como de primeiro mandei e mando (…)
O Pe. Francisco terá morrido naquele
dia, ou no dia seguinte, uma vez que o seu testamento foi aberto logo no dia 14
desse mesmo mês e ano.
A capela de São Francisco de
Molelinhos é referida pelo pároco de Molelos nas Memórias paroquiais de 1758,
onde nos diz que:
"Tem esta freguezia duas cappellas ou ermidas, huma em o lugar de Botulho, de
Santa
Luzia, outra em Molelinhos, de Santo André, as quoais ambas são populares; e o
lugar de Molelinhos tem huma de S. Francisco que hé do morgado do ditto lugar".
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